quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Comportamento condenável da OMV contra associações e médicos veterinários

As iniciativas desenvolvidas pela Ordem dos Médicos Veterinários contra determinados médicos veterinários e associações que fornecem serviços nesta área deixa várias dúvidas, que procurarei aqui esclarecer, quanto à sua legalidade.
Sucede que, a este respeito, é possível, desde logo, equiparar a actividade destas associações com a de consultórios médicos tradicionais ou mesmo com o de outros profissionais liberais, como as sociedades de advogados. Com efeito, as tabelas de serviços clínicos prestados é definida pela própria entidade que os presta, sem ingerência de terceiros por ter cada um total liberdade para estabelecer os valores (máximos e mínimos) a pagar pelos seus serviços, correndo o risco por sua conta exclusiva.
Paralelamente, importa recordar que, como consequência da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, em 1986, e por aplicação do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa, o direito comunitário passou a vigorar na nossa ordem interna com primado face ao direito interno. Deste modo, o Tratado de Nice, que instituiu a Comunidade Europeia, estabeleceu a criação de um mercado comum e, com ele, implementou regras comuns a todos os Estados-Membros em matéria de concorrência, destacando-se, nesta matéria, os arts. 81º e 82º do referido Tratado.
Sucede que a Comissão Europeia publicou, em 2004, o Relatório sobre a Concorrência nos Serviços das Profissões Liberais, no qual reconhece que «os serviços das profissões liberais têm um papel importante a desempenhar no reforço da competitividade da economia europeia, uma vez que contribuem para a economia e para a actividade empresarial, tendo assim a sua qualidade e competitividade importantes efeitos secundários».
Entre os principais factores passíveis de restringirem as profissões liberais encontram-se os «preços fixos» e os «preços recomendados», nos quais se incluem os «preços mínimos». Estas práticas, no âmbito do direito comunitário, podem dar origem a coimas por serem prejudiciais para a concorrência, devendo, antes, o preço ser estipulado livremente entre o prestador e o beneficiário. Ou seja, ao querer impedir a livre fixação dos valores correspondentes aos serviços prestados, a acção da OMV acaba por subverter as regras de concorrência vigentes em todos os Estados-Membros da UE.
A título de exemplo, e de acordo com as normas da concorrência da União Europeia, advogados, engenheiros, arquitectos, médicos e outros, na qualidade de profissionais independentes, são, em termos práticos, equiparados a empresas, sendo as respectivas ordens profissionais, como a OMV, equiparadas a associações de empresas. Neste sentido, tenha-se em consideração a posição do Conselho da Concorrência no processo 2/2002.
Deste modo, os médicos veterinários e respectivas entidades onde prestam serviços, bem como a OMV, têm de obedecer às regras da concorrência. Neste sentido, importa ter em consideração a Lei da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio) cujo art. 9.º define que «são proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional» (n.º 1). Entendeu o legislador que são exemplos deste comportamento, entre outros, a fixação, «de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda ou quaisquer outras condições de transacção» (al. a)). Decisões de associações de empresas integradas neste âmbito são «nulos» (n.º 2).
Neste quadro, parece evidente que quaisquer tentativas da OMV para condicionar ou definir, ainda que indirectamente, limites aos valores cobrados por médicos veterinários na prestação dos seus serviços contrariam a lei vigente em território nacional e no continente europeu. Justifica-se, assim, a referência ao comunicado 14/2006 da Autoridade da Concorrência, que condenou a Ordem dos Médicos ao pagamento de uma coima de 250 mil euros por fixação do valor dos honorários como forma de restringir a concorrência, o que levou a própria Ordem a revogar disposições inscritas no Código Deontológico e que justificava como necessárias para «assegurar a dignidade e a qualidade do acto médico», alegando ainda que «a Ordem apenas pretende evitar a concorrência desleal».
A Ordem dos Médicos Veterinários devia aprender com as decisões da Autoridade da Concorrência e abandonar práticas já condenadas por esta entidade e deixar as associações trabalharem em prol do bem de todos os destinatários das suas actividades!
Finalmente, também não se justifica a posição da OMV quando alega que o Estado faz concorrência desleal ao apostar em serviços veterinários municipais. Afinal, se assim fosse, também o Estado estaria a fazer concorrência desleal aos advogados por promover a figura do apoio judiciário – não vingando, uma vez mais, a argumentação da OMV.
Célia Feijão, Presidente do Conselho Local de Almada do PAN in Cidade Informação Regional, Almada, Opinião, 21 de maio de 2014. 

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