segunda-feira, 16 de junho de 2014

Superar a barreira da espécie

O especismo é uma forma de discriminação que se centra na espécie e na convicção de que a espécie humana é mais importante e valiosa do que todas as outras. Trata-se de uma discriminação que, tal como o racismo, que discrimina com base numa etnia, ou o sexismo, que discrimina com base no sexo, evidencia um preconceito injustificável. 
A maior parte das pessoas é especista sem o saber – o próprio termo, apesar de já ter mais de quarenta anos, só agora começa a ser mais difundido – e é normal que assim seja, visto que somos formatados desde pequenos a pensar que o Homem é o centro do universo e que tudo o que existe à sua volta foi pensado e concebido para ser propriedade sua. Não é de estranhar, portanto, que características como a racionalidade ou a proficiência linguística sirvam, simultaneamente, como justificação e factor legitimador da exploração de animais pelo Homem. De resto, é inegável que tais características são uma realidade – embora se saiba hoje que não são exclusivas da espécie humana – sendo que a questão central que se deve colocar é se as mesmas justificam, por si só, a superioridade que o preconceito do especismo comporta. Felizmente são cada vez mais as pessoas que afirmam que não!
A 7 de Julho de 2012, um grupo internacional de neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos, entre os quais Stephen Hawking, reuniu-se na Universidade de Cambridge para reavaliar os substratos neurobiológicos da experiência consciente e comportamentos relacionados em animais humanos e não humanos. Da dita reunião resultou uma declaração (a Declaração de Cambridge) que haveria de ficar célebre: “Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos”.
Mas então, como se manifesta o especismo? De várias maneiras, tantas que não é possível enumerá-las a todas nesta sede. Algumas das mais flagrantes resultam de acções do quotidiano, como seja alimentarmo-nos, vestirmo-nos, divertirmo-nos. Desde animais explorados pelo seu corpo e pelo que produzem na alimentação e vestuário, até animais torturados em todo o tipo de testes tendo em vista a obtenção de produtos – grande parte dos quais supérfluos, – passando pela exploração de animais para divertimento dos humanos, como sejam os circos ou os espectáculos tauromáquicos, cada vez mais rejeitados pela população.
Numa época em que a informação está à disposição de um clique e nos chega de forma muito mais rápida, podendo nós próprios fazer a triagem do que queremos ver, ler e ouvir, bastará que tenhamos disponibilidade para questionar o que até aqui temos como garantido para concluirmos pela necessidade de mudança. Isto porque, sabe-se hoje, muito do futuro do planeta e da qualidade de vida passa pela abolição de hábitos especistas, como seja ao nível do consumo de animais, o qual está associado, na produção, ao aumento da poluição e, também assim, ao aumento de doenças, como sejam as cardiovasculares. Ou seja, se não for pelo aspecto moral – o qual condena a exploração dos animais não-humanos por se tratarem de seres sencientes, isto é, seres com capacidade para sentir dor e prazer – que seja pelo aspecto prático, leia-se, pela preservação da saúde humana e do meio ambiente.
Está mais do que provado – o crescente número de pessoas a nível mundial com essas preocupações atesta-o – que é perfeitamente possível viver, em quantidade e qualidade, sem alimentar o especismo, razão pela qual esse deverá ser um objectivo comum à espécie humana. Isto porque, no fundo, somos todos Animais!
Porque enquanto o Ser Humano não adequar comportamentos respeitando outras espécies, não se respeitará a si próprio, e entrará numa espiral de decadência moral e física sem retrocesso para o planeta.

É que afinal, somos todos animais!

Caso o leitor queira aprofundar esta matéria, deixo aqui uma lista de livros e filmes que poderão contribuir para o esclarecimento: 
Livros: “Manifesto dos animais”, Marc Bekoff – editora estrela polar;
“Os animais têm direitos?”, Pedro Galvão – Dinalivro;
“Escritos sobre uma vida ética”, Peter Singer – Dom Quixote;
“Comer para viver”, Joel Fuhrman – Lua de Papel;
“Comer Animais”, Jonathan Safran Foer – Bertrand Editora;
“Libertação Animal”, Peter Singer – Via óptima;
“Jaulas Vazias”, Tom Regan – Editora Lugano

Filmes/Documentários:
“Food Inc.”; 
“Earthlings”;
“Food Matters”;
“A carne é fraca”
 


Eduardo Freitas Araújo, Vogal do Conselho Local de Almada do PAN in Cidade Informação Regional, Almada, Opinião, 16 de junho de 2014. 

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