sábado, 16 de agosto de 2014

Um pequeno passo não deixa de ser um passo

A Assembleia da República Portuguesa (AR) deu no passado dia 25 de Julho um importante passo na prossecução do bem-estar animal, ao aprovar novas medidas contra os maus-tratos a animais de companhia. Fica só a faltar a promulgação por parte do Presidente da República para na Lei portuguesa passar a constar a criminalização dos maus-tratos a animais de companhia e um novo regime sancionatório, bem como, não menos importante, direitos mais alargados para as associações zoófilas.
Nos últimos dias muito se escreveu e falou sobre o assunto, tendo a própria comunicação social dado, como há muito não se via, a devida e merecida cobertura. Entendi, por isso, que ao invés de focar-me no mérito dos dois projectos-lei que estiveram a votação, seria igualmente interessante tecer algumas considerações sobre um dos argumentos que mais ouvi por parte de quem não concordou, independentemente do motivo, com aquele importante passo: refiro-me ao argumento que sustenta que os deputados não devem “desperdiçar tempo” com este tipo de questões. Faço-o por dois motivos: o primeiro, porque não foram assim tão poucos os que se socorreram daquele argumento para fazer valer o seu ponto de vista. Desde utilizadores registados em sítios de jornais generalistas, muitos dos quais anónimos, até comentadores profissionais, alguns, pasme-se, com formação em Direito, foram vários a fazê-lo. O segundo motivo, para denunciar a má-fé argumentativa que o argumento em si mesmo esconde. Isto porque, há que dizê-lo abertamente, quem dele se serve não está verdadeiramente preocupado com a actividade dos deputados em si mesma, mas sim com o facto do tema “direitos dos animais” merecer cada vez mais consideração à sociedade portuguesa e, consequentemente, ao legislador, também ele cada vez mais sensibilizado e disponível para o tema.
Posto isto e porque o argumento em questão assenta na convicção de que é inaceitável que se coloque um tema “menor” – como o dos animais – à frente de outros ditos “mais importantes” – como seja todo e qualquer assunto relacionado com pessoas – a questão que todo e qualquer cidadão deve colocar a si próprio é se haverá, algum dia, um tempo ideal para que se reconheçam e atribuam direitos aos animais. A pergunta é retórica, só pode ser, pois todos sabemos qual a resposta: nenhuma sociedade, nem mesmo a mais evoluída, conseguirá, em tempo algum, dar-se ao luxo de dizer “agora que resolvemos todos os problemas das pessoas, vamos resolver os dos animais”. Simplesmente não é possível! O que é que isso nos diz? Diz-nos que não pode constituir fundamento moralmente atendível para se negar direitos aos animais o facto de haver direitos a consagrar e fazer cumprir para as pessoas. É bom que fique claro que uma coisa não inviabiliza a outra e que, por conseguinte, nos compete a nós, cidadãos, exigir aos nossos representantes que acompanhem a evolução dos tempos, promovendo aquilo que são as necessidades mas também as exigências das sociedades.
Em suma, o que aconteceu no passado dia 25 na AR, foi, sem sombra de dúvidas, uma vitória para os animais e para Portugal, sendo que há que reconhecer uma vitória quando estamos perante uma. Um passo importante no sentido de uma sociedade mais justa e respeitadora mas que, não nos iludamos, foi apenas o primeiro de muitos passos que ainda faltam dar. O facto de haver quem acredite, em consciência, que os animais não merecem protecção legal até todas as pessoas terem todos os direitos acautelados, os actuais e os que hão-de vir, prova que existe ainda muito trabalho pela frente. E se já assim foi com os animais de companhia, com os quais a generalidade das pessoas tem algum contacto e empatia, como será quando for sobre os restantes animais? Cá estaremos para mudar mentalidades!

André Nunes, vice-presidente do Conselho Local de Almada do PAN in Cidade Informação Regional, Almada, Opinião, 16 de agosto de 2014.