quinta-feira, 15 de maio de 2014

Para além das fronteiras do óbvio III

Não gostaria de terminar a minha abordagem ao tema da natalidade sem fazer referência à realidade nacional, por ser aquela que nos diz directamente respeito. Ora, depois de no primeiro artigo ter manifestado preocupação com o aumento global da população e de ter lamentado a inexistência de uma política global de natalidade, e depois de no segundo artigo ter feito a ligação entre o aumento da população mundial e os hábitos de consumo, importa por fim perceber se se justifica a solução amplamente difundida do aumento da natalidade como via para combater o envelhecimento do país.
Para o efeito, julgo ser benéfico dividir a questão em dois pontos distintos: o primeiro, sobre qual tem sido a evolução da população em termos quantitativos; o segundo, em saber qual tem sido a evolução da população em termos qualitativos.
Quanto ao primeiro ponto, e de acordo com os resultados definitivos dos Censos de 2011, Portugal tinha, àquela data, 10 562 178 habitantes. Mais 206 061 pessoas do que em 2001, quando habitavam o país 10 356 117.
Contrariamente à ideia muitas vezes passada, continuou a haver crescimento da população. Acontece que esse crescimento foi menor do que o verificado na década anterior, a de noventa. Passou de 5 para 2 por cento, o que se traduz num abrandamento, mas ainda assim num crescimento.
No que diz respeito ao segundo ponto, quanto a saber que tipo de população temos presentemente, é de referir que a percentagem de jovens recuou de 16 para 15 por cento entre os dois censos, ao passo que, em sentido inverso, a percentagem de idosos passou de 16 para 19 por cento, no mesmo período. Tal traduz-se num agravamento do envelhecimento da população, com o rácio entre jovens e idosos a ser de 100 para 128, respectivamente.
É inegável que a população em Portugal está a envelhecer e inegável é também que a população no nosso país continua a aumentar. A questão que se coloca, então, é saber qual a melhor forma de contrariar a primeira tendência, a do envelhecimento do país: se através do aumento da natalidade – com prejuízo para o aumento da população mundial – se através da adopção de políticas globais de natalidade e de migração (contando que eficazes).
Compreensivelmente a questão está longe de ser pacífica e consensual. Ambos os cenários oferecem prós e contras, não sendo nenhum deles totalmente válido nem o outro totalmente inválido. Pessoalmente, e como já deu para entender, inclino-me mais para o segundo cenário.
Faço-o por vários motivos, entre os quais considerar que será sempre mais difícil preservar o planeta – com tudo o que preservar implica – pela via do regrar dos hábitos de consumo e isto não obstante os esforços de optimização de recursos naturais que terão de ser feitos, e também, muito especialmente, por não aceitar que semelhantes nossos sejam privados de oportunidades somente porque nasceram noutras partes do globo. Nesse particular, sou sensível à exposição a que muitas pessoas estão hoje quanto à falta de água e alimento, exposição essa que, como já referi no segundo artigo, tende a aumentar.
Se é verdade que nós, habitantes de Portugal, temos sido privilegiados no que diz respeito aos fenómenos climatéricos, não é menos verdade que temos sentido cada vez mais e, de forma mais frequente, o ambiente a manifestar-se, quer com autênticos dilúvios, quer com incêndios incontroláveis, quer com a destruição da nossa costa, ou seja, fenómenos naturais. Mas não é só. Existe também a parte prática do problema, a qual motiva verdadeiramente a apreensão em torno do envelhecimento da população: é ela a que aponta no sentido do colapso dos sistemas previdenciais por consequente diminuição da população activa.
Acontece que, também nesse particular, o problema seria resolvido com a “captação” de população activa. Sou da opinião que o índice de rejuvenescimento do país, isto é, a diferença entre as pessoas que entram no mercado de trabalho e aquelas que saem, não tem que passar forçosamente pelo aumento da natalidade, podendo passar, à semelhança do que já acontece em alguns países, pela abertura de fronteiras.  
Em suma, julgo que, numa óptica global, temos tanto mais a ganhar enquanto espécie quanto sejamos capazes de optimizar a nossa estadia no planeta. Mais importante do que a quantidade de vidas é a qualidade de vidas e, nesse sentido, é bom não esquecer que existem pessoas que não têm oportunidades nos seus países e que, fruto disso, passam por privações e dificuldades que poderiam ser contornadas se houvesse uma política global ao nível da distribuição da população.

André Nunes, vice-presidente do Conselho Local de Almada do PAN in Cidade Informação Regional, Almada, Opinião, 15 de maio de 2014. 

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