quarta-feira, 23 de abril de 2014

Para além das fronteiras do óbvio II

Ainda sobre a promoção da natalidade como solução para o problema do envelhecimento do país, permitam-me que complete, neste meu segundo artigo de opinião, o que escrevi na semana passada quando referi que o planeta começa a não ter capacidade para alojar tanta gente.
A questão do número de pessoas que o nosso planeta suporta não é tanto uma questão de quantidade mas sim de qualidade, ou melhor dizendo, de como quem o habita se comporta. Ilustre-se o que se diz com um excerto do relatório da World Wide Foundation (WWF), intitulado Living Planet Report, segundo o qual se toda a humanidade vivesse como um residente médio da Indonésia apenas dois terços dos recursos naturais terrestres seriam utilizados, ao passo que se toda a humanidade vivesse como um residente médio dos Estados Unidos da América seriam necessários quatro planetas Terra.
As desigualdades, essas, também são cada vez maiores, com as Nações Unidas a estimarem, por exemplo, que perto de mil milhões de pessoas viva com menos de oitenta porcento das calorias diárias recomendadas, enquanto outro mil milhão viva com excesso de peso; ou ainda que, até 2030, e fruto das alterações climáticas, um número compreendido entre 24 milhões e 700 milhões de pessoas será obrigado a deslocar-se para outras áreas do globo em busca de água potável.De facto, a questão do aumento da população coloca-se de forma mais premente porque os hábitos de consumo actuais exigem cada vez mais recursos, recursos esses que o planeta demora cada vez mais tempo a repor. Nem de propósito, o mesmo relatório referia, já em 2012, que a Terra demorava um ano e meio a regenerar os recursos renováveis que as pessoas tinham utilizado num único ano. Entretanto dois anos passaram e a tendência não só não se inverteu como até se agravou, isto a ver pela forma como países densamente povoados – como China, Índia ou Brasil, entre outros – se acercaram do estilo de vida ocidental, leia-se, norte-americano e europeu, fruto do aumento exponencial da classe média e, consequentemente, do poder de compra. Só para se ter uma ideia, o consumo de carne (com impacto consensualmente reconhecido nas alterações climáticas) teve na China um dos maiores aumentos das últimas décadas, tendo aumentado, desde 1990, 165% e 130% no consumo per capita. A média chinesa, de resto, está cada vez mais próxima da média norte-americana, que regista um consumo de carne diário de 322 gramas por pessoa ou 120 Kg ao ano, de acordo com o relatório da FAO de 2012.
Em suma, é o modo como as pessoas que habitam o planeta no presente se comportam – as quais estão a esgotar rapidamente florestas, oceanos, solos e cursos de águas, bem como a poluir o ar – que nos deve fazer temer um futuro com ainda mais pessoas. Ou bem que se inverte o paradigma de consumo das últimas décadas, algo que não será fácil, ou não restará outro caminho que não seja o de condicionar a natalidade. Ou uma ou outra posição terá de ser escolhida, não sendo possível, manifestamente, ter as duas em simultâneo. Para o efeito, poder-se-ão questionar os relatórios que anunciam a ruptura, rotulá-los de pessimistas e especuladores a fim de se preservar o status quo da espécie humana, sendo que, pessoalmente, sou da opinião que os devemos levar em consideração – mais ainda quando inexistem outras fontes sobre o assunto – sob-pena do preço a pagar, num futuro não assim tão distante, ser incomportável para a manutenção da vida na Terra.

André Nunes, Vice-presidente do Conselho Local de Almada do PAN in Cidade Informação Regional, Almada, Opinião, 21 de abril de 2014. 






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